6.10.06

Pubs, canadense de Barcelona e o chá

Pub é o nome genérico para bares anglo-saxões. Um pub pode ser inglês, irlandês ou australiano, ou ainda um misto dos três, o que no final das contas, não faz muita diferença. Em todos eles, há cerveja de qualidade, a música é rock e se faz apologia ao rugby.

Os pubs, assim como os Mc Donalds e hotéis de nível internacional, são um dos produtos da globalização que são o porto seguro de um viajante confuso e por vezes oprimido pelo choque cultural: é um lugar-comum, algo que você sabe como é e que funciona essencialmente da mesma maneira em qualquer parte do mundo. Assim o Double Decker, o pub onde estamos, não é muito diferente do O’ Malleys, localizado em uma das travessas da rua da Consolação, nos Jardins, ali em São Paulo. É até melhor: não se paga para entrar, e há cerveja de qualidade por preços inferiores aos praticados no Brasil. Uma pint (500 ml) de Guinness, Heineken, Stella Artois sai por 17 dirhams (R$ 10,00). Achou caro? Nas casas noturnas, uma long neck custa 30 dirhams...

Logo na entrada, encontro com o português Daniel, e com os brasileiros Márcio e Willian. Lá dentro encontraríamos ainda com o Anderson, com o Vítor e com o Bruno. O bar está cheio: é uma das poucas opções para os ocidentais durante o Ramadã. Garotas inglesas altas tiram fotos com rapazes ingleses barrigudos. Nas mesas, um grupo de asiáticas tímidas conversa diante de um prato de batatas-fritas.

Conversávamos em um grupo então quando alguém me puxa para outra roda de homens e me cumprimenta. Eu não conheço ninguém, tento ser simpático – Cheers! – mas o rapaz loiro e bêbado insiste: “Eu te conheço eu sei de onde você é”.

- Ah é? – desafiei com ar incrédulo – então de onde eu sou?
- De Nazaréééé... oh, oh, oh...

Gargalhadas na roda. Bêbado é uma merda, né? Tudo bem, eu sou Jesus Cristo, e vocês? Começo então a conhecer o grupo: dois engenheiros civis libaneses que trabalham nas obras do metrô de Dubai, e um canadense que trabalha com hotelaria. O libanês me apresenta o rapaz que me puxou para a roda: “ele é israelense! É de Haifa, conhece?”. Pela ira e preocupação que isso despertou no rapaz, começo mesmo a acreditar que ele era mesmo israelense de dupla nacionalidade...

O canadense puxa conversa. O rapaz aparenta seus 35 anos e é alto, barrigudo e calvo, mas insiste em deixar o cabelo crescer. Então fica aquele rabo-de-cavalo amarrado logo abaixo de uma lustrosa careca. Ele não percebe, mas eu faço um esforço sobre-humano para entender o seu sotaque enquanto ele fala cada vez mais rápido.

Quando descobre que sou brasileiro, abre um sorriso na cara, e diz todo empolgado: “eu também falo espanhol!” Faz questão de explicar, agora tudo em espanhol:

- Soy de Toronto, peró hay 6 años que vivo en Barcelona. Hablo español y un poquito de catalán, la lengua que...hmm... hablan there. Y ahora, Dubai... conoces Barcelona?

Desanda então a fazer uma inconveniente comparação entre Dubai e Barcelona, a contar de baladas que só acabam quando o sol nasce e das noites de Ramadã em Dubai. Esse maluco começa a comparar espanholas elegantes de saias curtas com mulheres de vestido e véu preto. É interessante como as pessoas tendem a idealizar o que lhe falta: a nossa volta, não há uma mulher sequer de preto, no entanto o canadense se lamenta. Por sorte apareceu um inglês para me salvar. Ele nos interrompe e serve um shot para cada um:

- Tem que virar!! – viramos. Oportunidade para mudar de assunto.

Contei pra eles que estou tentando seguir o jejum. Longa gargalhada: “Jesus jejuando no deserto...”.


Ele por fim, muda de assunto e volta a falar o seu inglês que desafia meus ouvidos. Fala da caixa de garrafas de absinto que tem em sua casa e de um esquema ilegal para alugar carros sem carteira de motorista local ou internacional... mas se a polícia pega...


Sou interrompido mais uma vez: agora é o suposto israelense, que começa a gritar comigo em alta voz com o dedo em riste próximo ao meu nariz. O que é que eu fiz? Fiquei paralisado e não entendi nada do que dizia. Por fim, saiu e voltou minutos depois com duas pints de Heineken. Entregou uma para mim, xingou-me mais uma vez e saiu trançando as pernas. Vai entender.

Não liga não, está bêbado - diz Hassam, o engenheiro libanês. Ele conta que aprendeu francês na escola, mas que nunca teve oportunidade de falar. Começa então a fazer profecias sobre o futuro do metrô de Dubai em um idioma misto e alcoólico, que tende ao francês:

- Não vai dar certo. Eu sou árabe, eu sei: árabe gosta de se mostrar, de ostentar. Não vai querer se esconder debaixo da terra se ele pode mostrar seu carro para todo mundo...


A luz acende e o som pára. São 2h da manhã, hora de ir embora. Agora um batalhão de funcionários gentilmente empurra todos para fora da casa, e cada qual busca o seu táxi. O suposto israelense sai carregado. O canadense mostra meu telefone marcado na palma de sua mão e me diz: "Amanhã eu te ligo, sobre o esquema dos carros. Prometo!". Não ligou.


Em casa, fome: Earl Grey tea com leite, e hawala, doce libanês. Durmo como um nenê.

Um comentário:

Anônimo disse...

OI oi!
Uma perguntinha basica... O que vc faz em Dubai?
Estou fazendo um processo seletivo para a emirates e achei seu blog.
Julia Montenegro