4.11.07

Garimpo Airways

A mulher anuncia o início do check-in. Apesar do avião ter poltronas numeradas, todos se amontoam na fila para "chegar primeiro".

Já na aeronave, três rapazes na mesma fileira: um na janela esquerda, um no corredor, outro na janela direita.

O da ponta entretém-se com seu nariz: seu dedo esquerdo passeia narina adentro. Ele não tem pressa e agora contempla a enorme catota semi-transparente que pende em seu indicador em riste. Sem cerimônias, faz uma catapulta com o polegar e ops! Lá está a catota enfeitando a aeronave, pendurada próxima à janela.

O rapaz ao lado do corredor marca presença: faz calor e seus pés deslizam no líquido intersticial entre o pé e a sandália, misto de suor, queijo e anõezinhos mortos. Ele tira o pé da sandália e o enxuga no carpete do avião. Estica o pé e mexe os artelhos. Êita coisa boa! Ele está gripado. O excesso de secreção em suas vias respiratórias o incomoda. Ao menos, sua alimentação está garantida: durante todo o vôo, roncos e puxadas profundas para depois se ouvir o barulho dos músculos da garganta forçando o líquido espesso estômago adentro - glut! Às vezes o muco irrita a garganta e vem aquela vontade incontrolável de tossir. Ainda bem que tem um espaço grande no corredor. Espaço suficiente para tossir sem a mão na frente, propisciando aos que estão ao lado o peculiar prazer de respirar ar com cheiro de entranhas pútrefas.

A aeromoça passa com uma bandeja de balas e lenços higiênicos: enche-se a mão de balas. Não é todo dia que se tem o privilégio de chupar balas. A aeromoça segue seu caminho e o rapaz ao lado da janela a chama: quer mais uma toalhinha higiênica, talvez para mandar de lembrança para a namorada com um bilhetinho "Princesa, aqui é só sucesso: andei de avião!".

O avião se estabiliza no ar. Hora de usar o banheiro do avião. Chique! Tem sabão líquido. Eau de toilet. Nobre. Hora de voltar a poltrona para que? Hora da merenda!

Todos comem toda a comida, direitinho. Pedem um extra para a aeromoça. Afinal, o trabalho no garimpo é extenuante, toda energia é bem-vinda. Ah! Que gostoso, né? Tem até um palito-de-dente. Para o rapaz da janela à direita, palitar é insuficiente: sempre tem aquele fiapo enroscado ali naquele cantinho. Nada que uma boa puxadinha de saliva não resolva. E o avião vira uma sinfonia de sons aspirados, de líquidos e ar correndo entre os dentes. Glixi. Rixi. Riiiixi. Viiiixi... Pupts! (expulsando o fiapo da boca).

Ao final do vôo, o rapaz do outro lado do corredor estranha a sacola presa em frente a minha poltrona. De quem será esta sacola? Será que "alguém" esqueceu? Ele estica a mão e a puxa para cima, para fora da bolsa que guarda também instruções de emergência e revistas. Olhar para o rapaz é insuficiente. Com um sorriso cínico, puxo a sacola, enrolo-a novamente e volto a colocá-la onde estava.

Ele está realmente inquieto. Não vai dormir de noite se não souber o que é aquilo. Pende o corpo, estica o braço através do corredor e tira a sacola da bolsa a minha frente. Olha dentro dela e pergunta com um ar de espanto: "WHAT IS THIS?"

"MY chocolate". Compreensível: esses produtos industrializados - sacola plástica, chocolate - não chegam ao garimpo. "Excuse-me" - Puxo a sacola e a amarro em minha bolsa de mão para não deixar dúvidas.

Por fim, o avião pousa no garimpo levantando poeira. Todos se acotovelam para sair da aeronave. De volta ao lar. Que alívio! Chega dessa coisa sombria e sofisticada chamada civilização.

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