3.9.06

Noites de hotel – 2 ou balada solitária em Dubai

Troco de roupa. Em homenagem às senhoras, roupa preta. Tomo meu sapato preto, meu único sapato, ainda branco de pó que vou cuidadosamente tirando com uma escova-de-dentes velha. Lustro com um pano com grande zêlo. Hoje eu não quero ser barrado pois seria o fim. A mulher de dedos gordos continua me observando agaixada sobre a cabeceira da cama:

- Aonde vai?

- Não interessa.

- Vou junto.

- Sua vadia.


Garganta com nó, ansiedade, respiração difícil. Pego um táxi. De onde? Paquistão. Quanto tempo aqui? 2 anos. O taxista não quer conversa, a gorda velha (o vestido esconde, mas ela é gorda) me olha novamente e solta uma enorme gargalhada, deixando a mostra seus dentes podres e exalando um bafo sufocante.


Comparação proibida para quem mora fora: achar que sua terra natal é melhor do que a que te recebe. Quando vejo, já comparei: no quesito balada, São Paulo deixa Dubai no chinelo. Em Dubai, só conheço a sofisticada Vila Olímpia, ou os bares de shisha. Como não fumo, fico ainda mais restrito. São Paulo possui a Vila Olímpia, a Vila Madalena, os bares de Moema, Itaim, os forrós para rico ou pobre, os bares de rock no Bixiga, os botecos na esquina, as baladas alternativas na Augusta, as festas de aniversário relâmpago no terraço de algum apartamento ou em alguma casa em Pompéia que alguém avisa de última hora por uma mensagem no celular, os pubs, as casas de samba e choro. Ah, as casas de samba... ainda que eu fosse sempre apenas no Ó do Borogodó ou mais recentemente no Teatro Mars, a opção existia. A gorda não contém seu riso e cozinha meu fígado com um maçarico: “isso, otário, continue assim”.


Chegamos ao Al Madinat. O táxi ficou por 11 dirham. Taxista não gosta de corrida curta. O problema é dele. O Al Madinat é um complexo turístico ao lado do famoso hotel Burj Al Arab que imita uma cidade árabe medieval (medinas são para o mundo árabe tal qual os feudos ou burgos são para as cidades européias). A cidade é enorme e compreende um zouk (mercado),um Teatro mais de uma casa noturna, um parque aquático e um hotel 5 estrelas, com jardins e lagos artificiais de proporções descomunais. Sigo então para a Trilogy.


Logo na entrada, os Porsches e Rolls Royces me adiantam que estou talvez no lugar mais luxuoso de Dubai. A hostess me aborda:


- Are you alone?
- Yes, I’m lonely, babe.

Sou liberado. A entrada custa 60 dh. Entro. A Vila Olímpia é aqui: uma casa noturna de 2 andares, 3 ambientes, com mezaninos com vista para a pista principal no centro da casa. Os tapetes que cobrem o chão e as cortinas não me deixam esquecer que estou em um lugar muito luxuoso. Estou in, dentro do circuito fashion internacional New York, London, Paris, Tóquio, Barcelona. A música é o dance, padrão internacional pasteurizado de música em casas noturnas deste gênero. As pessoas fazem as mesmas caretas e os homens de gel no cabelo e óculos degradês rebolam e balançam as mãos do mesmo jeito que em qualquer casa noturna similar em qualquer lugar do mundo. Ando, ninguém conhecido. Ao meu lado apenas a senhora gorda e velha e de dentes podres que insiste em sussurrar em meu ouvido com seu bafo de chá de boldo com fel.


Uma observação: aqui não há emiratis, com seus trajes tradicionais, tampouco mulheres de preto cobrindo o rosto, além da senhora gorda e fedida ao meu lado: é um local estritamente para turistas e expatriados. O local é caro, mesmo para padrões europeus. A suspeita se confirma quando peço uma cerveja: uma Heineken Long Neck custou 30 dh. A minha volta, turistas europeus fashion em roupas e penteados exóticos esbaldam-se em bebidas igualmente exóticas. Garotas magras de mini-saias olham sorridentes para os rapazes exóticos que bebem bebidas caras. Prostitutas? Sinto, a princípio, medo: se existe um lugar para um terrorista suicida resolver se explodir, este lugar é aqui. Felizmente, uma rápida observação do contexto político local mostra que esse não é o caso aqui: os árabes locais vivem muito bem aqui, e são os principais beneficiados da presença de tantos estrangeiros, seja por controlarem os rentáveis negócios imobiliários, os negócios turísticos, e tudo o mais que o expatriado necessite. Uma bomba aqui seria a sua ruína.


Caminho de um lado para outro. A casa aos poucos vai se enchendo. A proporção é de 3 homens para cada mulher. As mulheres que chegam, em geral, chegam acompanhadas. Olho para o relógio, o tempo não passa. Olho no celular, ele não toca. Agonia, aperto no peito. Ninguém conversa comigo. Encosto em um canto, e de repente, alguém me aborda:


- Perdão, senhor, você sabe se aquelas cadeiras ali estão livres para o uso ou é necessário reservá-las?


Só entendo a pergunta quando noto que o uniforme de todos os funcionários da casa também são pretos. Neste instante, a senhora gorda ao meu lado passa o dedo indicador entre os dedos do pé direito suado em contato com sua surrada sandália de couro e de um só golpe o enfia diretamente em minha garganta. Enjôos.


Olho no celular, ninguém me ligou. São 11:30h. Ando, subo, desço e torno a subir a escada. O tempo não passa. 0h, olho no celular. Para minha penúria, uma chamada perdida de um número não identificado. A senhora de preto agora pula sobre meus ombros e o fardo torna-se insuportável. Vou me embora. Desço então a escada, a caminho da saída.


Às vezes o acaso faz com que certas pessoas tenham seus momentos de iluminação, e sem saber, salvam o dia de alguém que mal conhecem. Na escada passa por mim um casal, e ouço um grito: ‘Hei, pá! Estás sozinho? Então venha ter com a gente, ó pá!” É um português e uma portuguesa, consultores Siebel (qualquer hora explico o que é isso) que sentam logo a minha frente na empresa. Nunca nos conversamos, eu nem sei seus nomes, mas mesmo sem me conhecer, chamaram-me para ir com eles. Tchau, velha gorda.


Alívio na noite morna de Dubai. Agora sinto-me em São Paulo ou Aveiro. Converso em português. Mesmo sem nada falar, compartilhamos alguns valores e um imaginário, o que traz uma sensação de conforto inigualável. Tento disfarçar a minha alegria... pergunto então seus nomes: Olindo, que já está há 1 mês aqui, e Sofia (pronuncia-se ‘S’fííía”), que como eu, está há 2 semanas. Eles são de Lisboa. O Olindo já é mais experimentado, já trabalhou por um ano e meio em Ryadh, Arábia Saudita. “Oh pá, pur acaso, gustei muitu.”. Lá, se você entra em crise, não há pra onde correr: não há vida noturna, não se vende bebidas alcoólicas, nada.


Olindo compra uma água. A garrafa parece um vidro de perfume, 500 ml custaram-lhe 15 dh. “Na semana passada, paguei 130 dh para entrar. Isso tem a ver com o DJ que toca na casa”. Que horror.


2h da manhã. Vamos embora. Na saída, outro casal português aparece, vindo de outra balada localizada também no Al Madinat. O local é maravilhoso, e o Olindo bem o define: “É o lugar perfeito para se passar a Lua de Mel dos sonhos”. Perfeito. Lua-de-mel sim, sair sozinho para conhecer gente, não.


Olindo deixa-me no hotel, agradeço insistentemente pela companhia. A velha gorda já deve estar lá em cima me esperando, mas possivelmente vai me deixar dormir.

Um comentário:

Anônimo disse...

cara, acabei de vltar do blues, bêbado. e isso foi triste!
nunca mais te aporrinho sobre as baladas!

bom, se bem que pelo que te conheço, cê tá dramatizando demais e vou te encher mais vezes, com certeza! hehehe..

abraço,


thefool