13.3.08

III - O tempo passou...

O tempo passou; o garoto de pele branca leitosa passou no vestibular. E passou a ser chamado de ET, por sua pele que agora ganhava um tom esverdeado, talvez pelas imensas horas passadas sem luz solar nos laboratórios subterrâneos dos hospitais. E estudava com afinco, pois um dia viria a recompensa: seria médico!


E quem visse o revoltado não o reconheceria: descobriu-se pleonasticamente a si mesmo e viu em seu passado negro um grande cliché. Deixou de lado as roupas pretas, adotou óculos quadrado de armação grossa e barba e bradava discursos sobre a mesa da cantina ao qual sempre finalizava: Viva a UNE! Viva o movimento estudantil! Unidos venceremos essa corja de reitores neo-liberais! Ao passo que os ouvintes respondiam: Iéééééaaah!

Ei! Desce da mesa que sou eu que limpo! – quanta ousadia do funcionário da limpeza. Mas era isso mesmo o que o ex-revoltado queria: uma chance para reafirmar sua autoridade, ao que perguntou: você sabe com quem você está falando???.E ao acabar o discurso, desceu da mesa e viu-se nos tempos de cursinho em um rapaz de preto e franja sebosa que assistia a tudo apaticamente e de braços cruzados. Não reviveu com saudosismo, mas com um ar blasé, digno de uma autoridade: Ah, esses rebeldes sem causa… - suspirou.

Rebeldes sem causa
. Desdém. Sim, pois agora ele tinha uma causa: a causa estudantil. E trabalhou com afinco por ela e conseguiu notoriedade e respeito entre seus camaradas quando sugeriu a doação das verbas do Centro Acadêmico para os Movimentos Irmãos. Ninguém compreendia muito bem que benefício isso traria à causa estudantil mas ninguém questionou aquele líder nato. E assim, ele ganhava auto-confiança: no ano seguinte, inventou o Trote Cidadão e saiu na capa de todos os jornais, abraçando calouros e mendigos com cara de bom moço…

E você vai perguntar: e o João? João não estava nem ali pois resolveu não perder tempo com esse papo de faculdade e foi ser João Cariranho. Trabalhava com aquilo que lhe prazia, e tirava daí o seu sustento. Trabalhou para muitos, mas jamais aturou desaforo: guardava ainda no fundo do peito o mesmo catarro verde que usava nos momentos de desonra, para colega ou para chefe, sem medo de ser feliz. Teria João asas? Ele saltitava, pulava, voava de um emprego em outro sem quaisquer preocupações com o ter. Que inveja!

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