21.1.07

O iemenita, o artilheiro e os indicadores ao ar

Depois de uma sexta-feira xoxa, com nenhuma casa noturna aberta devido ao feriado de ano-novo muçulmano (Hijiri New Year), chega um sábado frio e de céu aberto, convidativo para uma noite social. Cerveja não combina com condução, então é hora de caminhar até Al Wasl Road e esticar o braço. Um táxi pára:

- Good evening, sir!
- Good evening. Could please take me to the Number One Tower...
- Ok… around Shaikh Zayed Road...
- Yes, it is…

Senta-se no banco da frente, não gosta de ir atrás. Ir atrás cria barreiras, como se a relação taxista x passageiro fosse uma relação serviçal x senhor supremo, a qual as mulheres tipicamente fazem questão de acentuar, seja pelo tom imperativo com que determinam o destino final - vai até lá! - seja no olhar sizudo atrás de óculos degradés Dolce-Gabbana que foge para a janela, maneira talvez de descontar as opressões do dia-a-dia e de se auto-afirmar diante de um homem.

Silêncio introspectivo. O taxista acelera e vai pensando no caminho até o hotel, o passageiro desacelera e vai pensando na vida, em seus caminhos e descaminhos, quando a gritaria na rádio lhe chama a atenção:

- De quem é o jogo?

Pensou, mas não falou. Vai que é Corão recitado? Pelas feições e pelo simples fato de estar escutando uma rádio em árabe, fica claro que o motorista é da região. Utiliza-se então dos expedientes usuais, dentre eles, da tática da sopa quente, e vai comendo pelas beiradas:

- Where are you from?
- Al Arabía… emarát… Al arabía… emarát...
- Tá… Arábia... mas de que país? Você é emirati?!

Seria muito difícil ser um emirati, tão difícil quanto encontrar um saudita, omani ou alguém do Bahrein, Kwait ou Qatar taxista. São países ricos, e um árabe destes países dificilmente será taxista, com tantos benefícios, oportunidades e apoio do governo.

- Iêmen.

Bingo. Iêmen é o único país do Golfo que não possui petróleo. E portanto, é o mais pobre e instável politicamente (no quesito “politicamente”, fica atrás do Iraque, é claro). E portanto, não faz parte do GCC. E portanto, fornece de mão-de-obra barata para os demais países, mão-de-obra que fala árabe.

- Nós... de todos os países, Arábia Saudita, Kwait, ... nós todos emarát... todos Al Arabía... mesma cultura...

Hora do golpe derradeiro, enquanto o oponente está desprevenido e distraído:

- E o que você está ouvindo na rádio?
- Ah! É o jogo da Copa Árabe do Golfo! Emarats gostam muito de futebol... por toda Al Arabía...
- E quem está jogando?
- Iêmen x Emirados Árabes!
- E aí, ganhou?
- Não: Iêmen perdeu, de 2 x 1... de virada, que azar! Estávamos ganhando...

Novamente o silêncio introspectivo, enquanto o semáforo permanece fechado. O semáforo insiste em não abrir, então o taxista quica a bola:

- E você, é de onde?
- Brasiu.
- De onde?
- BrasiL.
- Aah! BrasiL... Ronaldo... – e ri. É sempre assim: um indiano ri e diz que gosta de Maradona; um japonês ri e diz "Ayrton Senna"; o sírio ri e lembra do Clube Homs, nome de sua cidade, que fica no meio da Avenida Paulista em São Paulo; as meninas russas riem também, mas porque lembram de novelas como Escrava Isaura ou Clone; o nepalês apenas ri e não diz nada... motivos distintos, mas todos riem, como o taxista que lembra com autoridade de um comentarista esportivo do nome de jogadores de futebol:

- Bebeto... Romário... Ronaldo... vai jogar na Arábia Saudita... e o Figo também!
- Mas o Figo é português...
- Eu sei...
- Eu também.
- ?! ...

O taxista franze a testa...

- mas e você, joga futebol?
- Jogo sim, quer dizer, jogava. Jogava em um time no Brasiu, Corinthians... já ouviu falar? Mas cansei dessa vida fútil: fama, dinheiro, mulheres... uma perdição... sabe? É muito chato ser famoso. Vim aqui para ter um pouco de paz.

- Ah é?... - diz ele com um ar descrente. Árabe não é bobo.
- É... - o passageiro insiste.

- E o que você faz aqui?
- Muitas coisas...

Ele desiste, e encosta ao lado da Torre Número 1. O artilheiro quando faz gol, procura os muitos braços ao ar da torcida e dos companheiros de equipe. O taxista iemenita recebe o valor da corrida, agradece, zera o taxímetro e segue pela rua. Contenta-se em encontrar dedos indicadores ao ar. De preferência, um de cada vez.

Um comentário:

Anônimo disse...

uau.. que fio! ;)