9h. O Hebert já partiu com as coisas. Estava ali embaixo do prédio e me perguntei: e agora, o que tenho que fazer? Está um tempo fresco, em torno de 18 graus. Lembrei que ainda não havia tomado café. Não é qualquer café: é o último café em São Paulo, ao menos por alguns dias... sigo mais uma vez pensando com a cabeça de um doente terminal que diante da morte começa a se perguntar o que deseja ou não fazer antes de seu momento derradeiro (não é o meu caso, espero eu). Decidi: vou tomar café na padaria.
A padaria aqui do lado do prédio está lotada de gente: certamente há muitas pessoas que como eu pensaram em tomar seu café-da-manhã na padaria ao lado de sua casa como se fosse o último, de modo que todas as cadeiras estavam lotadas. Todos espremidos um ao lado do outro no balcão. Segui então pela Augusta, até encontrar, quase na Paulista, um bar-padaria com um lugar para sentar, um bom café e um pãozinho com manteiga na chapa.
Barriga cheia, meus pensamentos retornaram à pauta do dia: despedir-me de São Paulo. Entranho, normalmente, a gente se despede de gente, mas senti uma vontade de fazer um ato simbólico: despedir-me de uma rua. Segui então até a Paulista, olhei-a atentamente de um lado a outro. Olhei alguns detalhes do Conjunto Nacional. Vento frio, eu sem blusa. Dei-me por satisfeito e retornei à Frei Caneca. Andava distraído ainda no primeiro quarteirão quando um rapaz de cabelo escondido em um boné surrado, calça jeans surrada e tênis All Star surrado chamou-me a atenção. Neste exato momento, ele me olhou com olhar desafiador. Cometeu um grave erro: não viu o enorme obstáculo a sua frente e pisou uma montanha de cocô de cachorro. Certamente não era qualquer cachorro: cocô de cachorro bem alimentado, de grande porte. Ou era de fila, dog alemão, ou era humano. Era muito grande. Tão grande que quando o sujeito a alcançou com seu pé esquerdo, patinou. Seu corpo esquivou para o lado esquerdo, ele ainda tentou se recuperar, mas patinou outra vez, tamanha era o volume fecal que se acumulava sob seu pé.
Nestes casos, a regra social é clara: ao se ver alguém pisando na merda, deve-se manter a compostura, olhar piedosamente para o sujeito, com cara de dor no coração e dizer “quer alguma ajuda?”. Ou ainda, ignorar este fato corriqueiro, como se pisar numa enorme montanha de cocô fosse algo tão corriqueiro quanto uma pequena moeda caída ao chão.
Eu ainda tentei disfarçar, mas o rapaz, assim que escorregou, olhou bem para o meu olho, como quem diz: “vai rir?”. Mantive-me sério, mas uma força estranha tomou conta de mim. Começou com uma contração involuntária nas bochechas, que se estendeu para as sobrancelhas, as veias saltaram à testa. Tanto esforço para me conter que acabou saindo tudo pelo nariz: uma enorme calda espessa e pegajosa balançava agora pendurada em minha narina. O rapaz agora ria feliz, enquanto ainda raspava seu pé esquerdo na calçada.
Com o dedo indicador esquerdo, tirei aquela gosma bege (sim, eu havia acabado de tomar café com leite) de meu nariz e a lancei nos ares. Ela foi girando, girando, girando, até se pendurar novamente em uma árvore à minha frente. Limpei precariamente meu dedo sujo em minha camiseta. O rapaz olhou-me aliviado e disse: “estamos quites!”, e seguiu seu rumo. Consenti e segui meu caminho. Um quarteirão adiante, olhei para trás. O rapaz já não me olhava mais e seguia em frente, ainda raspando o pé esquerdo no chão a cada passo. Agradeci então ao cão e/ou humano que por força maior defecou na rua, propiciando-me tão agradável momento. Quites uma ova! Antes meu minha camiseta suja de ranho a meu tênis branco sujo de merda.
3 comentários:
Ai minha barriga!! Fazia tempo que eu não ria tanto! Está muito legal o blog, vou acompanhar suas aventuras, grande beijo!
Ale.
Me rendeu boas gargalhadas!
Conhecendo a figura aposto que é fato verídico.
Abraços Luisão
Tissue box, pls!! Passei mau...kkkkk
Valeus!
Sheika Yaya
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