12.6.07

Domingo de Páscoa


Dia de trabalho, 22h. Ligar o ar condicionado, acender as luzes. O ponteiro indica: assim não se chega em casa. Ligar o rádio e assim ser assim lembrado pelo radialista filipino de que se trata de um dia especial.

Será que chega ao posto? Chegou.

- Full?
- Full.

Ah sim, é um dia especial. Mas como transformar às 22h um dia que fora comum em um dia especial? Logo à frente, um letreiro: “Burger King”. Dia especial: famílias ocidentais reunidas, comendo batatas fritas e bebendo refrigerantes. Dia comum: famílias jantando em uma lanchonete de posto de gasolina.

O telefone toca: “Estamos todos reunidos! Feliz dia especial!”. Hora de desligar o telefone, desligar o carro, desligar o rádio: jantar especial.

- Good evening, sir! Which lunch do you want? Big-ultra burger? Extra ultra large French fries? Super-size coke?
- Beans burger and small bottle of water, please.
- Anything else, sir?
- No, thanks.

Um senhor ao lado de bigode, vestido em sua candura, hatra e ragol, sugere:

- Olha, a opção mais barata é você pedir dois do número 3 e com isso ganha mais duas batatas-fritas e um refrigerante! Isso não está no cardápio!

- Obrigado!

- Hei, você é brasileiro, não é?

- ?! Sim, mas... como você descobriu?

- Pelo sotaque. Eu visitava muito o Brasil enquanto estudava nos Estados Unidos... e meu irmão ainda está lá.

Ele diz um nome. Nome familiar. Coincidências de um mundo ultra-conectado. “Você está com pressa? Vamos jantar juntos.”

Dia especial: jantar com um desconhecido que traz notícias da terra natal, que vai contando enquanto se curva sobre a mesa para não sujar a candura impecavelmente branca:

- Eu gosto muito do Brasil. Quando estive por lá da última vez, viajei por todo o país: Amazônia, Pantanal, Foz do Iguaçu... Fortaleza, Recife, Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro...

- Que bacana!

- Oh, Brasil! A Amazônia, que natureza! Rio de Janeiro! Boas lembranças... que lugar maravilhoso, tudo é colorido. E as mulheres? Como as mulheres são simpáticas! Você está andando no calçadão de Copacabana e elas já vêm conversar. Iani, são simpáticas e baratas: por menos de 100 dólares e elas já vinham com a gente. Serviço completo...much muchcla.

- Pois é...

- ... Rio de Janeiro, olha... que lugar. E as drogas? Como são baratas e puras! Um rapaz chegou e me ofereceu cocaína. Olha... quatro dias sem dormir...

- Sério?

- Sim! Fiquei até preocupado. Eu queria dormir mas não conseguia. Eu tremia...

Este tema é tabu não apenas nesta parte do globo e é sabido da existência de uma inteligência nos Emirados, os CIDs. Eles andam a paisana e, segundo dizem, “jogam verde para colher maduro”. Seria este o caso? Seria prudente não emitir comentários a respeito das histórias e apenas repetir:

- Sério?

- Sim. Mas você sabe, né? Nos EUA, é muito perigoso usar cocaína.

- Ah é? Por que?

- Porque lá eles misturam com muitas outras coisas, não faz bem para a saúde. No Brasil é mais barato e é puríssima! Deve vir direto ali da Colômbia.

Silêncio na mesa. Ele então resolve mudar de assunto:

- E você sabe quem está procurando lugar para morar?

- Sim. Eu. O que você tem para oferecer?

- Tenho vários imóveis, mas o que tenho a oferecer é um quarto em um apartamento de alto-padrão.

- Quanto?

- Qual é o seu orçamento?

- Até quatro.

- Hmm... os quartos são luxuosos, todos mobiliados... mês passado, aluguei um por dez.

- É, está fora...

- ... mas eu tenho um menor, que era o quarto de empregada. Esse eu posso fazer mais barato. Você tem tempo-livre?

- Não muito. Por que?

- Eu preciso de um contador, alguém independente, de confiança, que me ajude a gerenciar meus negócios. Creio que você tem este perfil. Se você trabalhar em tempo-parcial para mim, posso abater do preço do aluguel. Em todo caso, não custa nada olhar o apartamento, quer ver?

- Sim. Quando?

- Agora!

- Mas... são quase 0h...

- Não há problema. Vamos lá.

No caminho para os carros, ele ainda diz antes de seguir com seu 4x4 V8 pela Shaikh Zayed Road:

- Este carro é seu? Preciso de um carro menor, para economizar combustível. Quer vender?

3 comentários:

Anônimo disse...

putz!
o senhor bigodudo, vestido em sua candura, hatra e ragol, conheceu um vegetariano a fundo [ou os fundos de um vegetariano?]!
já era, heim portuga?!
quem diria que seu lado campineiro afloraria num momento de solidão destes? hehhehe

falou!

Anônimo disse...

Esse é o tipo de história que é ótima de ouvir, mas qualquer comentário que eu fizer vai diminuir o valor dela =P

...

Ah, eu não me aguento. Aí vai. Como não-usuário, a história toda de droga por aqui é uma coisa que eu não entendi direito ainda (como várias outras histórias). Na verdade, acho que iria querer entender ainda menos case fosse usuário. Medo de ser pego =P

Mas eu tenho quase certeza que algumas das histórias ridículas que lemos no jornal ("Turista grego preso por tentar trazer .01 grama de maconha é morto a facadas por agentes histéricos na imigração") são plantadas. Acho que fazem isso como modo de repressão. Da mesma maneira que algumas coisas são censuradas, outras devem ser um pouquinho inventadas. Certeza que a história das drogas é uma delas. É tão mais fácil inventar histórias quando vc nunca põe o nome ou a foto da pessoa "para preservar a sua identidade", sendo que a cultura árabe é muito mais da de humilhação em praça pública pra quem faz cagada (nada contra isso, veja bem. Não estou fazendo juízo de valor de se é melhor preservar imagem ou expor os erros. Só estou falando que é incoerente com o que eles fazem nos jornais sobre preservação da imagem).

A propósito, ótimo desenho de coelhinho feito em paint =)

(No orkut, eu to numa comunidade "Photoshop não, Paint pra vida!" hehe)

Abraços

Maeshonista disse...

Pleaaaase, faz um bottom: "eu atraio gente louca".