Na entrada do edifício, o rapaz de bigode recebe de braços esticados para carregar as sacolas de compras:
- O senhor trouxe o visto?
- Sim! Conversei hoje com meu amigo de Jebel Ali, aqui está.
- Muito obrigado, sir!
No apartamento, ele deixa as compras na entrada e se despede:
- Mais alguma coisa?
- Hmm... não. Muito obrigado!
- Boa noite.
- Boa noite.
Ele retira o ragol, a hattra e a pequena touca da cabeça, deixa-as sobre o sofá e agora retorna ao motivo inicial da visita:
- Venha ver os quartos.
Apresenta uma das duas suítes:
- Essa está alugada por 10.
Segue então para os dois quartos que compartilham um banheiro:
- E este é o quarto que seria para você. Todo mobiliado! Veja bem: não é qualquer imóvel. Tudo decorado com o que há de melhor, e com bom gosto. Ao menos na minha opinião. Fui eu mesmo que decorei!
Papéis de parede de listras verdes e detalhes florais. Cama grande com adornos barrocos. Na parede um quadro de vaso. Cortinas na mesma cor da coberta: tecido verde metálico semi-brilhante. Um luxo. De fato, gosto não se discute.
- E então, gostou?
- Sim, muito, mas veja bem... eu tenho a minha mobília...
- Ah! Mas isso é fácil de resolver. Eu posso comprar e colocá-la em algum de meus outros imóveis.
- Mas a questão do preço...
- Bom, isso é negociável. Você tem algum dia da semana livre?
- O que é esta porta?
- Este é o quarto de empregadas que te falei. Esse é 3 mil, mas a porta está trancada hoje... mas podemos negociar, se você trabalhar para mim. Preciso de alguém para ajudar a controlar a contabilidade de meus negócios, e vejo que você tem boa índole, é de confiança.
- E como seria este trabalho?
- Sente-se. - Ele vai até a cozinha e volta com uma latinha de suco de goiaba e continua:
- Gostou da vista? Olha essa decoração! Essa é a parte da casa que mais gosto.
Sofá com adornos combinando com uma mesa de centro com adornos que não combinam com a TV de plasma, mas ficariam bem com um gramofone. No chão, jaz a pele de um felino, com a boca grande e olhos bem abertos. Na parede, um quadro de cavalo, na outra, um outro grande quadro com paisagens bucólicas de uma Europa medieval.
- Mas qual é o tipo de trabalho que você oferece?
- Eu preciso de um ajudante para meus negócios. Você é do Brasil, né? Uma de minhas idéias e começar a importar coisas do Brasil. Coisas que haja por lá e que não haja cá.
- O que, por exemplo?
- Você é que pode me dizer! Você é de lá, deve saber. Mas entenda as possibilidades financeiras por trás disso: o Brasil é hoje a última fronteira para os árabes. China? Todo mundo já está saturado de coisas chinesas. Índia? A Índia é aqui. Europa? Estados Unidos? Eles pegam um avião nas férias e pronto, já conhece tudo. Mas o Brasil não! Eles não conhecem nada do país, e tem muita curiosidade em conhecer. Quando você volta para o Brasil? Seria perfeito! Você poderia me guiar pelo país e me mostrar coisas que poderíamos trazer para cá.
- O que por exemplo?
- Vou dar um exemplo: nós poderíamos trazer comprar uma fazenda, e criar animais que hajam por lá, e que não hajam cá.
- Vacas?
- Não! Macacos, por exemplo.
- Criar macacos?! Em uma fazenda?!
- Sim!
- Veja bem... não dá.
- Por que não?
- Olha... uma fazenda de macacos? Não daria certo. Macacos são animais nômades e territorialistas, não dá para criar uma fazenda, como gado. Eles precisam de uma floresta e de uma grande área para viver.
- Ah, então a gente pode pegá-los na mata e trazer para cá.
- Veja bem... tráfico de animais é crime. Não dá para trazê-los.
- Como não? A gente pode colocá-los dentro da mala de mão, bem apertadinho, e trazer.
- Olha, não funciona isso. Isso dá cadeia. Não dá.
- E aqueles papagaios gigantes?
- Arara? É animal silvestre também. Não dá.
- Ah, que pena... - ele bebe um pouquinho mais de suco pensativo e torna ao assunto - então a gente pode comprar uma fazenda e criar outros animais. Há uma série de outros animais que há por lá e que não há por aqui. Lhamas, por exemplo...
- Lhamas não são do Brasil... são dos Andes, Bolívia, Peru...
- Ah... mas a gente pode comprá-los na Bolívia e criá-los na fazenda no Brasil, não pode?
- Olha... acho que o bicho não vai se adaptar. Mas enfim...
- Tá. Então pense em alguma coisa. Há artistas no Brasil? A gente poderia alugar um apartamento como esse e organizar uma noite brasileira, com exposição de obras de arte. No meio da noite, entrariam um grupo daquelas pessoas que dançam para fazer uma exibição. As pessoas querem ver isso, e elas pagarão o preço. Se for por exemplo, 100 dh, iríamos encher o apartamento.
- Poderíamos trazer artesanatos.
- Isso. E músicos? Dançarinos? Poderíamos organizar um show noturno. Traríamos os artistas e eles receberiam um salário e mais uma porcentagem nas vendas. Assim, ele ganha e nós também. Poderíamos deixá-los em uma casa em Ras Al Khaiman com diversas facilidades durante o dia: jet ski, campo de golfe, e à noite, eles trabalham.
- É uma boa idéia.
- E como é o mercado de iates no Brasil? O preço é melhor que aqui? Poderíamos comprar iates lá no Brasil e vendê-los por aqui.
- Iates? Não tenho a menor idéia.
- Pesquise para mim, por favor.
- Sim...
- Poderíamos comprar um grande iate, e montar dentro dele um restaurante típico brasileiro, com banda e dançarinos... as pessoas pagariam para viajar nele, seria um sucesso. E espero que a legislação brasileira não seja tão chata quanto à alemã. Eu quase comprei um navio do exército alemão da época da segunda guerra, mas o governo alemão barrou. Que gente complicada! Imagine o navio ali embaixo (apontando para a Marina), com um restaurante dentro... seria fanstástico!
- Sim, sim... pois é, já está tarde.
- Ok. Mas pense nisso.
A caminho do elevador, uma última reflexão:
- Escute: veja o mundo de possibilidades a sua volta. Veja esses apartamentos: poderíamos alugar dois deles, você contrataria as garotas do Brasil... faríamos um clube privê.
- Ok. Boa noite.
- Ok. Pense nisso. Aguardo seu telefonema amanhã.
- Ok. Boa noite.
- Boa noite.
No dia seguinte, não telefonou.