Sheik, sheik,
Vossa Alteza é muito má: há dias coloquei aqui milhares de perguntas, e você não respondeu. Cadê o meu emprego em Dubai? Pega no meu pipi.
Leitor abandonado.
Caríssimo leitor,
Não chore. Reconheço que há dias, quase meses que não respondo com tanto vigor a tantos questionamentos. Só de perguntas relacionadas a oportunidades de emprego aqui no meu backlog (viu só que palavra bonita? O Sheik fala inglês. Chique, não?) são mais de 50 perguntas. Se eu responder a um desses posts a cada 2 dias, levarei mais de 3 meses!
Verei o que posso fazer, mas lembre-se: o sheik também não é agência de empregos. O sheik é o sábio que mostra o caminho, mas não dá o mapa. Não dá o peixe, mas ensina a pescar. Por enquanto, fique com alguns outros posts, alguns até sobre Dubai.
Obs.: e enfia esse pipi no seu $#$%#@.
31.10.07
29.10.07
27.10.07
24.10.07
O velho da fundição, o irmão e o barbeiro
Ele andava agitado naqueles dias: voltara ao porão da casa e mais uma vez o transformou em uma oficina. Voltara a trabalhar a madeira: caixas de porta-jóias, mosaicos de madeira, porta-retratos. Algo ínfimo para quem construíra a própria casa, os próprios armários, a própria cama, o próprio rádio e vitrola - um móvel enorme na sala! - a cama dos outros quartos, os armários das casas dos filhos, a cadeira de balanço e outra em miniatura para a neta, gaiolas e alçapões para os netos... sem contar as incontáveis máquinas de beneficiamento de arroz e laranja que fizera na fundição, da qual pouco restara.
Acordava sempre cedo e descia ao porão com o velho pijama rasgado. Ele possuía outros novos, guardados na caixa, que ganhara de presente em algum aniversário ou dia dos pais, mas por alguma razão ou nenhuma, andava com o rasgado. Para desespero das filhas. "Como é que pode o senhor andar com esse pijama rasgado?". Elas não entendiam. O que os outros iriam pensar? Mas podia sim, tanto é que assim o fazia e seguia vivendo. Todo velho tem suas manias.
Por esses mesmos dias que voltara a moldar madeira, lembranças agudas lhe fizeram fechar o porão e seguir até casa de seu irmão mais velho. Assim como fome, assim como sono, assim como sede, sentiu NECESSIDADE de conversar com alguém tão familiar.
Há tempos já não se falavam. Brigas de velhice, que talvez não fizessem mais diferença: há algum tempo que seu irmão já não ouvia, já não falava, e passava o dia sentado com olhar distante. Não era o que dizia sua companheira, que com carinho e otimismo lavava suas roupas, fazia sua comida, e o levava para passear. E que o tratava como se realmente estivesse ali, presente, e contava fatos da vida cotidiana que contrastavam com sua figura estática e inerte. Mesmo assim, sentou-se ao seu lado e apertou sua mão. Deu-se por satisfeito: era o fim das brigas. Achou que não haveria algum mal em pedir ao irmão para ver uma de suas grandes relíquias: a caixa de ferramentas do pai. Seu irmão não falava, mas naquele momento respondeu:
- Não peça pra mim. Peça pro pai... - E foi as únicas coisas e talvez as últimas que lhe disse.
E quem lhe dera pedir ao pai... de volta à solidão da casa vazia, tinha todo o tempo do mundo para ruminar o que ouvira: dava-se conta de que já vivera mais em orfandade que junto de seus pais. E ainda sentia por vezes a mesma lembrança e saudade ardente que lhe fechava a garganta, travava o peito e tornava a respiração difícil, como se fosse uma criança de oito anos com pesadelo à noite ou medo do escuro.
Seguiu trabalhando com veemência a madeira. Encafifou-se com a idéia de que não poderia perder mais tempo. Quando seu neto anunciou o casamento, tratou logo de comprar um forno microondas. Ligou para ele e deu a ordem:
- Léque, venha buscar seu presente!
- Ô vô, valeu! Amanhã, eu vou. Eu passo amanhã sem falta.
- Amanhã não: é hoje! Você vem buscar hoje!
O tempo do hoje. O velho da fundição era turrão: uma ordem era uma ordem. Mas já fazia tempo que a idade lhe tirara a autoridade de quem educava os filhos com vara de marmelo, em um tempo em que faculdade era coisa de homem, em que filhas tornavam-se professoras. E assim se fez: o filho homem virou engenheiro, as filhas, professoras... e o neto não desacatou: foi buscar o forno no mesmo dia.
Naquela véspera de Páscoa, seguiu correndo atrás do tempo até entregar a cesta-básica que entregava todo mês ao moço da cadeira de rodas. Ficou contente: "dever cumprido", disse ele ao fechar o portão. Hora do merecido chá da tarde: suco de laranja com bolo de chocolate. "Agora eu vou fazer a barba e tomar um banho para ver minhas netas!"
O primeiro a chegar foi um dos netos, que avisou os tios, que avisou as filhas, que foram todos para a Casa. O genro ligou para a funerária, as filhas tampavam os olhos com as mãos e gritavam "não é verdade! Fala que não é verdade!". Os netos olhavam para o chão. E os vizinhos que já invadiam a casa assistiam à cena com um deleite de quem assiste a um capítulo de novela, e se perguntavam uns aos outros com sorriso no rosto: "A casa é grande, né? Quem vai ficar com a herança?". Dias depois comentariam sentados em cadeiras na porta de suas casas no final-de-tarde a estranha curiosidade de dois irmãos e o barbeiro que os servia falecerem na mesma semana, como o movimento sincronizado de uma ceifadeira em uma grande colheita.
Sobre a cômoda da sala, duas caixas de bombom, dois coelhos de pelúcia. Não deu tempo.
O texto de hoje é dedicado a uma amiga de Limeira que passa por um desses momentos tristes. Abraço amigo do sheik.
Acordava sempre cedo e descia ao porão com o velho pijama rasgado. Ele possuía outros novos, guardados na caixa, que ganhara de presente em algum aniversário ou dia dos pais, mas por alguma razão ou nenhuma, andava com o rasgado. Para desespero das filhas. "Como é que pode o senhor andar com esse pijama rasgado?". Elas não entendiam. O que os outros iriam pensar? Mas podia sim, tanto é que assim o fazia e seguia vivendo. Todo velho tem suas manias.
Por esses mesmos dias que voltara a moldar madeira, lembranças agudas lhe fizeram fechar o porão e seguir até casa de seu irmão mais velho. Assim como fome, assim como sono, assim como sede, sentiu NECESSIDADE de conversar com alguém tão familiar.
Há tempos já não se falavam. Brigas de velhice, que talvez não fizessem mais diferença: há algum tempo que seu irmão já não ouvia, já não falava, e passava o dia sentado com olhar distante. Não era o que dizia sua companheira, que com carinho e otimismo lavava suas roupas, fazia sua comida, e o levava para passear. E que o tratava como se realmente estivesse ali, presente, e contava fatos da vida cotidiana que contrastavam com sua figura estática e inerte. Mesmo assim, sentou-se ao seu lado e apertou sua mão. Deu-se por satisfeito: era o fim das brigas. Achou que não haveria algum mal em pedir ao irmão para ver uma de suas grandes relíquias: a caixa de ferramentas do pai. Seu irmão não falava, mas naquele momento respondeu:
- Não peça pra mim. Peça pro pai... - E foi as únicas coisas e talvez as últimas que lhe disse.
E quem lhe dera pedir ao pai... de volta à solidão da casa vazia, tinha todo o tempo do mundo para ruminar o que ouvira: dava-se conta de que já vivera mais em orfandade que junto de seus pais. E ainda sentia por vezes a mesma lembrança e saudade ardente que lhe fechava a garganta, travava o peito e tornava a respiração difícil, como se fosse uma criança de oito anos com pesadelo à noite ou medo do escuro.
Seguiu trabalhando com veemência a madeira. Encafifou-se com a idéia de que não poderia perder mais tempo. Quando seu neto anunciou o casamento, tratou logo de comprar um forno microondas. Ligou para ele e deu a ordem:
- Léque, venha buscar seu presente!
- Ô vô, valeu! Amanhã, eu vou. Eu passo amanhã sem falta.
- Amanhã não: é hoje! Você vem buscar hoje!
O tempo do hoje. O velho da fundição era turrão: uma ordem era uma ordem. Mas já fazia tempo que a idade lhe tirara a autoridade de quem educava os filhos com vara de marmelo, em um tempo em que faculdade era coisa de homem, em que filhas tornavam-se professoras. E assim se fez: o filho homem virou engenheiro, as filhas, professoras... e o neto não desacatou: foi buscar o forno no mesmo dia.
Naquela véspera de Páscoa, seguiu correndo atrás do tempo até entregar a cesta-básica que entregava todo mês ao moço da cadeira de rodas. Ficou contente: "dever cumprido", disse ele ao fechar o portão. Hora do merecido chá da tarde: suco de laranja com bolo de chocolate. "Agora eu vou fazer a barba e tomar um banho para ver minhas netas!"
O primeiro a chegar foi um dos netos, que avisou os tios, que avisou as filhas, que foram todos para a Casa. O genro ligou para a funerária, as filhas tampavam os olhos com as mãos e gritavam "não é verdade! Fala que não é verdade!". Os netos olhavam para o chão. E os vizinhos que já invadiam a casa assistiam à cena com um deleite de quem assiste a um capítulo de novela, e se perguntavam uns aos outros com sorriso no rosto: "A casa é grande, né? Quem vai ficar com a herança?". Dias depois comentariam sentados em cadeiras na porta de suas casas no final-de-tarde a estranha curiosidade de dois irmãos e o barbeiro que os servia falecerem na mesma semana, como o movimento sincronizado de uma ceifadeira em uma grande colheita.
Sobre a cômoda da sala, duas caixas de bombom, dois coelhos de pelúcia. Não deu tempo.
O texto de hoje é dedicado a uma amiga de Limeira que passa por um desses momentos tristes. Abraço amigo do sheik.
22.10.07
Aspire Academy
E por falar em criancinhas raquíticas com ranho no nariz treinando para maratona, quem marca presença constante aqui nos comerciais de TV é o senhor Pelé.
Pelé é garoto-propaganda da Aspire Academy, um centro esportivo de excelência localizado aqui ao lado, no Qatar.
Você pode ver o vídeo do Rei Pelé falando inglês (um luxo) clicando aqui em seguida, selecionando a aba "TV commercials". Você já vai ver o homem sorrindo. E de quebra, ainda vê uma propaganda com o Ronaldinho.
Pelé é garoto-propaganda da Aspire Academy, um centro esportivo de excelência localizado aqui ao lado, no Qatar.
Você pode ver o vídeo do Rei Pelé falando inglês (um luxo) clicando aqui em seguida, selecionando a aba "TV commercials". Você já vai ver o homem sorrindo. E de quebra, ainda vê uma propaganda com o Ronaldinho.
Antes tarde do que nunca
21.10.07
O mais triste...
... é que só há 1 (hum!) brasileiro inscrito nesta tão importante competição internacional que decidirá os novos rumos da história do esporte mundial! E sem patrocínio, sendo obrigado a treinar em condições sub-humanas.
Cadê o patrocínio do Banco do Brasil?? Cadê Galvão Bueno falando bobagem na TV("é o Brasil pujante e varonil conquistando mais uma medalha para o país com muito suor!")?? Onde está o comercial com criancinhas pobres e raquíticas com ranho no nariz treinando para a maratona do Quênia com camisetas do Banco do Brasil e gritando "sou brasilêêêro, com muito orguuuuulho, com muito amoooor"?
Enquanto isso, este brasileiro sofredor vai fazendo a sua parte (brasileiro não desiste nunca), treinando a suas próprias custas, enfrentando condições humilhantes, e escorchantes, sendo forçado a dar aulas de caiaque para nós-cegos para garantir o ganha-pão, sem direito a massagistas ninfomaníacas para aliviar as dores do treino, e na terra onde se pode "ostentar luxo sem medo de ser roubado", é privado do direito de treinar com um Rolex, e assim medir o tempo com precisão e estilo. Sujeita-se então ao absurdo de treinar com um reles Timex sem-vergonha de 99 dirhams. Uma pobreza sem tamanho.
Enquanto isso, o brasileiro vê partida de futchibol... assiste ao seu Curíntia afundar na lama russa. E aos jogadores e cartolas esbaldarem-se com todo o equipamento necessário para um bom treino: relógios Rolex (para o cartola não esquecer a hora de pagar os russos), uma caneta Mont Blanc (para assinar corretamente o cheque) e uma Mercedes-Benz (para jogador não chegar atrasado no clube após a "balada"). Tudo isso pago com o dinheiro que você desviou do leitinho das crianças para ver o jogo no Pacaembu, meu!
Triste destino este dos atletas brasileiros. É por essas e outras que esse Brasil não vai pra frente. Ah, quer saber? Cansei. Cansei de tanta injustiça.
30 de novembro: Dubai Shamaal
E por falar em caiaque, dia 30 de novembro acontece em Dubai a tão esperada Shamaal: competição internacional de Surf ski, este caiaque fininho, difícil de se equilibrar em cima, mas capaz de proporcionar tantos prazeres.
Shamaal em árabe significa norte. Ou esquerda, depende do contexto e de onde se está. É também o nome do vento que traz tempestades de areia da Arábia Saudita para Dubai.
Este ano, a comitê organizador está engajado em proporcionar uma corrida a favor do vento. Ufa. Há 3 percursos planejados, atravessando as "maravilhas" monumentais de Dubai: arquipélago "The World", Burj Al Arab e Palm Island. O percurso definitivo será escolhido de acordo com a direção do vento no dia da competição. O mais provável (palpite meu) é que seja o percurso em vermelho (vide percurso abaixo).
Questão de prioridade
Fotos: cortesia de Manuel Oliveiros, fotógrafo e correspondente internacional do semanário português Rua de Baixo em Dubai.
The inheritance of loss
Sabemos bem, caro leitor, que você deseja quase sexualmente, ao ler este blog, obter informações quentinhas, diretamente de Dubai. Informações que alimentem uma ilusão, um desejo de um anti-mundo melhor que o momento presente que torne mais doce a realidade morna de primavera sem ar condicionado.
Dinheiro! Grana! Escravos eunucos! Notícias doces e suculentas de uma terra onde as pessoas podem caminhar tranqüilamente com relógios rolex, e não têm problemas em, mais do que ter, mostrar que têm: carros de luxo ("sem ser blindados"), bolsas Louise Vuitton, iate. Placas de carro e telefones com "números especiais". Você deita na cama, olha para o teto embolorado do quarto (culpa do maridão que em vez de trocar a telha quebrada, foi assistir ao jogo do Curíntia) e suspira com os olhinhos fechados: "Se estivesse em Dubai, eu seria feliz".
Seremos (insisto no plural, caro leitor: os sheiks são um, são dois, são três... e não são ninguém) bem sinceros com vocês (olha que surpresa: você, caro leitor aí do outro lado da telinha, sendo tratado no plural! Yeeess! Privilégio!): este post não é sobre Dubai, mas sobre um livro que lemos.
Não chorem, não chorem. Há tempo e assunto de sobra sobre Dubai. Mas a prioridade agora é falar do livro: The inheritance of loss, de Kiran Desai. Acreditamos que já há tradução para o português, "O legado da perda".
Livro que discute identidade, de estrangeiros que vivem no exterior (um pleonasmo?) ou no próprio país (pronto! A existência do absurdo - estrangeiro em seu próprio país - justifica o pleonasmo).
Uma passagem me (ou nos? Às vezes até os sheiks se perdem) chamou a atenção, dando outro sentido ao livro:
Confissões: por alguns instantes, deixei de ser sheik e viajei 5, 6 anos no tempo e voltei a ser um estagiário, chegando da primeira viagem ao exterior. Cinco meses que pareceram décadas. Que aventura! Em Casa, lá estava um senhor orgulhoso com um maço de folhas sulfites na mão:
Déjà vu. Sentimento de orgulho e conquista. Obrigado, Senhorita Desai. Por alguns momentos, o estagiário quis casar com você. Mas achamos que já passou. Por hoje é só.
Dinheiro! Grana! Escravos eunucos! Notícias doces e suculentas de uma terra onde as pessoas podem caminhar tranqüilamente com relógios rolex, e não têm problemas em, mais do que ter, mostrar que têm: carros de luxo ("sem ser blindados"), bolsas Louise Vuitton, iate. Placas de carro e telefones com "números especiais". Você deita na cama, olha para o teto embolorado do quarto (culpa do maridão que em vez de trocar a telha quebrada, foi assistir ao jogo do Curíntia) e suspira com os olhinhos fechados: "Se estivesse em Dubai, eu seria feliz".
Seremos (insisto no plural, caro leitor: os sheiks são um, são dois, são três... e não são ninguém) bem sinceros com vocês (olha que surpresa: você, caro leitor aí do outro lado da telinha, sendo tratado no plural! Yeeess! Privilégio!): este post não é sobre Dubai, mas sobre um livro que lemos.
Não chorem, não chorem. Há tempo e assunto de sobra sobre Dubai. Mas a prioridade agora é falar do livro: The inheritance of loss, de Kiran Desai. Acreditamos que já há tradução para o português, "O legado da perda".
Livro que discute identidade, de estrangeiros que vivem no exterior (um pleonasmo?) ou no próprio país (pronto! A existência do absurdo - estrangeiro em seu próprio país - justifica o pleonasmo).
Uma passagem me (ou nos? Às vezes até os sheiks se perdem) chamou a atenção, dando outro sentido ao livro:
They bent to collect his belongings, the cook careful to place pages of the letters in the correct envelopes.
One day he'd return them to Biju so his son would have a record of his journey and feel a sense of pride and achievement.
Confissões: por alguns instantes, deixei de ser sheik e viajei 5, 6 anos no tempo e voltei a ser um estagiário, chegando da primeira viagem ao exterior. Cinco meses que pareceram décadas. Que aventura! Em Casa, lá estava um senhor orgulhoso com um maço de folhas sulfites na mão:
"São todos os e-mails que você enviou. É pra você guardar e lembrar de tudo o que você passou".
Déjà vu. Sentimento de orgulho e conquista. Obrigado, Senhorita Desai. Por alguns momentos, o estagiário quis casar com você. Mas achamos que já passou. Por hoje é só.
Falta de tempo
Pois bem, muita gente postando comentários no blog, eu não consegui responder a ninguém ainda. Aliás, faz tempo que não publico nada. Tentação em dizer que a causa é uma "falta de tempo".
Pois bem, amigos leitores, a verdade é que, embora a vida seja curta, "falta de tempo" não existe: existe sim falta de prioridade. Ou talvez a simples constatação do periodo anterior "embora a vida seja curta (...)", causadora de tanta ansiedade, que me impede de sentar e escrever, mesmo com tanta coisa a se escrever. Talvez sinal de que a vida corre em ritmo intenso, que exige ouvidos apurados, olhos bem abertos, cabeça centrada na captação. Volume de informação além da capacidade de assimilação.
Mas vamos deixar de bobagens, e vamos (sim, utilizo o plural. Qual o problema? Já disse anteriormente que "os sheiks são onipresentes, oniscientes". Agora digo que os sheiks são um... e são muitos. Os sheiks são todos e não são ninguém. Como sósias de Saddam Hussein. Complicado, não?) seguir escrevendo, pois escrever é uma necessidade. Tal qual comer, beber, fazer sexo com 15 concumbinas e um coqueiro. Como torturar escravos eunucos que guardamos no armário com uma maçã na boca - estes, sim, figuras sem história ou identidade cujos temores e flagelos jamais serão registrados na memória coletiva - tudo o que não queremos ser. Escrever é pois necessidade de deixar uma marca ilusoriamente indelével no mundo, que nos dê a ilusão de lançar uma breve memória do que somos ou fomos em um preciso instante um pouco além de nossa fugaz e breve e única existência, e assim propiciar conforto para se viver o presente, como se tudo houvesse de fato infinita continuidade.
Questão de prioridade: entenda você, que no momento que pressionamos as teclas cá, priorizando o post, sacrificamos algumas horas de sono, e conseqüentemente o amanhã. Talvez porque sono é depuração do dia e da vida, e é isto o que este texto o é.
E vamos a outro post.
Pois bem, amigos leitores, a verdade é que, embora a vida seja curta, "falta de tempo" não existe: existe sim falta de prioridade. Ou talvez a simples constatação do periodo anterior "embora a vida seja curta (...)", causadora de tanta ansiedade, que me impede de sentar e escrever, mesmo com tanta coisa a se escrever. Talvez sinal de que a vida corre em ritmo intenso, que exige ouvidos apurados, olhos bem abertos, cabeça centrada na captação. Volume de informação além da capacidade de assimilação.
Mas vamos deixar de bobagens, e vamos (sim, utilizo o plural. Qual o problema? Já disse anteriormente que "os sheiks são onipresentes, oniscientes". Agora digo que os sheiks são um... e são muitos. Os sheiks são todos e não são ninguém. Como sósias de Saddam Hussein. Complicado, não?) seguir escrevendo, pois escrever é uma necessidade. Tal qual comer, beber, fazer sexo com 15 concumbinas e um coqueiro. Como torturar escravos eunucos que guardamos no armário com uma maçã na boca - estes, sim, figuras sem história ou identidade cujos temores e flagelos jamais serão registrados na memória coletiva - tudo o que não queremos ser. Escrever é pois necessidade de deixar uma marca ilusoriamente indelével no mundo, que nos dê a ilusão de lançar uma breve memória do que somos ou fomos em um preciso instante um pouco além de nossa fugaz e breve e única existência, e assim propiciar conforto para se viver o presente, como se tudo houvesse de fato infinita continuidade.
Questão de prioridade: entenda você, que no momento que pressionamos as teclas cá, priorizando o post, sacrificamos algumas horas de sono, e conseqüentemente o amanhã. Talvez porque sono é depuração do dia e da vida, e é isto o que este texto o é.
E vamos a outro post.
10.10.07
9.10.07
La Bataille d'Argel
Sabia que Tropa de Elite me lembrava alguma coisa de que já havia visto, mas da qual não lembrava. A tal coisa está no filme "La Bataille d'Argel", do italiano Gillo Pontecorvo, de 1966, que retrata a repressão do exército francês às táticas de guerrilha urbana do FLN (Front de Libération National).
Tal qual as incursões do BOPE nas favelas, o exército francês ocupou a Qasbah, a parte árabe da cidade de Argel, localizada - como as favelas - nos morros do entorno da cidade, e só saiu após desmantelar a FLN.
Curiosamente, o exército brasileiro atuou com sucesso na "pacificação" da favela Cité du Soleil no Haiti, e diz que tem a fórmula para acabar com a violência nas favelas brasileiras. Um dos entraves para tal é justamente o fato do Brasil não estar em guerra com ninguém: uma ação dessas nas favelas daqui necessitaria de uma "supressão temporária de certos direitos constitucionais". Em outras palavras, o exército quer é uma garantia para atuar protegido de condenações por violação de direitos humanos posteriores. E o que nenhum político quer associar seu nome a torturas e julgamentos militares.
Um bom subsídio para entender o que isso significaria é buscar informações e estatísticas sobre as operações policiais às favelas cariocas à vésperas dos Jogos Panamericanos deste ano. Como diz o livro "A Arte da Guerra", "o objetivo da guerra é a paz", e a tal paz tem preço em vidas.
Pensamento: eu não gostaria de estar na favela se a ação do exército fosse aprovada.
Tal qual as incursões do BOPE nas favelas, o exército francês ocupou a Qasbah, a parte árabe da cidade de Argel, localizada - como as favelas - nos morros do entorno da cidade, e só saiu após desmantelar a FLN.
Curiosamente, o exército brasileiro atuou com sucesso na "pacificação" da favela Cité du Soleil no Haiti, e diz que tem a fórmula para acabar com a violência nas favelas brasileiras. Um dos entraves para tal é justamente o fato do Brasil não estar em guerra com ninguém: uma ação dessas nas favelas daqui necessitaria de uma "supressão temporária de certos direitos constitucionais". Em outras palavras, o exército quer é uma garantia para atuar protegido de condenações por violação de direitos humanos posteriores. E o que nenhum político quer associar seu nome a torturas e julgamentos militares.
Um bom subsídio para entender o que isso significaria é buscar informações e estatísticas sobre as operações policiais às favelas cariocas à vésperas dos Jogos Panamericanos deste ano. Como diz o livro "A Arte da Guerra", "o objetivo da guerra é a paz", e a tal paz tem preço em vidas.
Pensamento: eu não gostaria de estar na favela se a ação do exército fosse aprovada.
7.10.07
Um ano depois
A percepção da passagem do tempo muitas vezes se dá pela percepção das transformações no ambiente em que se vive.
Nem sempre, e nem em todo lugar esta afirmação foi ou é de grande relevância: em pequenas aldeias indígenas afastadas dos grandes centros urbanos, por exemplo. Lembremos de tempos em que não havia internet, celular, em que um telefone fixo era considerado um bem durável: um único telefone cinza ou preto por família, que era feito para durar toda a vida... em trinta anos, a transformação do ambiente em que se vive ou vivia era, foi, ou é mínima, dependendo do lugar em que se vive.
Em boa parte do globo, vive-se época de revolução cultural e comportamental alavancada pela disseminação instantânea da informação: eu escrevo aqui em Dubai às 2h da manhã e imediatamente você aí no Brasil lê às 7h da noite. Época também de crença no crescimento econômico de 10% ao ano como tábua da salvação de sociedades carentes de ocupações rentáveis para seus cidadãos, e de condições consideradas mínimas para a sobrevivência no século 21: acesso à moradia, saúde, saneamento básico, transporte, educação, celular, internet. Época de cidadãos-consumidores com direitos: direito a casa com ar-condicionado, direito à locomoção individual movida a motores. Direito a consumo de energia. A consumo de Coca-Cola e Mac Donalds. E todos aplaudem crescimentos de 10% de China, Índia, Dubai.
Dá pra comparar o crescimento de toda a China com o de uma cidade como Dubai? E o que significa um crescimento de 10% sobre números absolutos minúsculos? Suponha uma cidade com cobertura de água e esgoto de 30% a seus lares. 10% representa sair de 30% e ir para 33%. Uau... pensando bem, não é pouco: em 10 anos, salta de 30% para mais de 50%...
Não vou evoluir mais esse raciocínio por diversas razões: a primeira é que, se isto fosse uma dissertação, eu já teria sido reprovado no Vestibular. Fuga do tema proposto: o texto começou comentando a percepção da passagem do tempo através das mudanças no ambiente e é para lá que quero voltar. Então voltemos ao raciocínio inicial, mas no próximo parágrafo (veja bem: eu não tenho nenhuma obrigação em seguir o tema inicial, mas tentarei fazê-lo por respeito a você, leitor. Porque eu sou um cara legal).
Pronto. Parágrafo novo, voltemos ao tema: independente de suas conseqüências, desastrosas ou não para o meio ambiente, nas sociedades que passam por esse processo de disseminação de valores e padrões de consumo universais, ou em sociedades com crescimento econômico acelerado, de fato, a afirmativa inicial é válida: o ambiente ao redor de cada indivíduo muda incessantemente, seja pela adição de arranha-céus na paisagem (o "progresso"), seja pela contínua reposição dos pequenos adereços tecnológicos: computadores de mesa por portáteis, telefones fixos por celulares, por celulares pequenos, por celulares-computadores-tocadores de mp3-gps-rádio.
Tudo isso para dar um sentido a mais às imagens estáticas e em movimento que coloco a seguir. As duas fotos foram tiradas há um ano. O vídeo foi feito dias atrás. Em Dubai, a mudança da paisagem marca a passagem do tempo.
Antes
Depois
Nem sempre, e nem em todo lugar esta afirmação foi ou é de grande relevância: em pequenas aldeias indígenas afastadas dos grandes centros urbanos, por exemplo. Lembremos de tempos em que não havia internet, celular, em que um telefone fixo era considerado um bem durável: um único telefone cinza ou preto por família, que era feito para durar toda a vida... em trinta anos, a transformação do ambiente em que se vive ou vivia era, foi, ou é mínima, dependendo do lugar em que se vive.
Em boa parte do globo, vive-se época de revolução cultural e comportamental alavancada pela disseminação instantânea da informação: eu escrevo aqui em Dubai às 2h da manhã e imediatamente você aí no Brasil lê às 7h da noite. Época também de crença no crescimento econômico de 10% ao ano como tábua da salvação de sociedades carentes de ocupações rentáveis para seus cidadãos, e de condições consideradas mínimas para a sobrevivência no século 21: acesso à moradia, saúde, saneamento básico, transporte, educação, celular, internet. Época de cidadãos-consumidores com direitos: direito a casa com ar-condicionado, direito à locomoção individual movida a motores. Direito a consumo de energia. A consumo de Coca-Cola e Mac Donalds. E todos aplaudem crescimentos de 10% de China, Índia, Dubai.
Dá pra comparar o crescimento de toda a China com o de uma cidade como Dubai? E o que significa um crescimento de 10% sobre números absolutos minúsculos? Suponha uma cidade com cobertura de água e esgoto de 30% a seus lares. 10% representa sair de 30% e ir para 33%. Uau... pensando bem, não é pouco: em 10 anos, salta de 30% para mais de 50%...
Não vou evoluir mais esse raciocínio por diversas razões: a primeira é que, se isto fosse uma dissertação, eu já teria sido reprovado no Vestibular. Fuga do tema proposto: o texto começou comentando a percepção da passagem do tempo através das mudanças no ambiente e é para lá que quero voltar. Então voltemos ao raciocínio inicial, mas no próximo parágrafo (veja bem: eu não tenho nenhuma obrigação em seguir o tema inicial, mas tentarei fazê-lo por respeito a você, leitor. Porque eu sou um cara legal).
Pronto. Parágrafo novo, voltemos ao tema: independente de suas conseqüências, desastrosas ou não para o meio ambiente, nas sociedades que passam por esse processo de disseminação de valores e padrões de consumo universais, ou em sociedades com crescimento econômico acelerado, de fato, a afirmativa inicial é válida: o ambiente ao redor de cada indivíduo muda incessantemente, seja pela adição de arranha-céus na paisagem (o "progresso"), seja pela contínua reposição dos pequenos adereços tecnológicos: computadores de mesa por portáteis, telefones fixos por celulares, por celulares pequenos, por celulares-computadores-tocadores de mp3-gps-rádio.
Tudo isso para dar um sentido a mais às imagens estáticas e em movimento que coloco a seguir. As duas fotos foram tiradas há um ano. O vídeo foi feito dias atrás. Em Dubai, a mudança da paisagem marca a passagem do tempo.
Antes
Depois
Complementando...
... o post Bra in the roof, fica aqui um link para um vídeo educativo a respeito disponível na rede.
3.10.07
Armênia
- Bari iereco!
- Oh, so nice! Como aprendeste?
Pouca gente no mundo fala português, mas sempre tem alguém que sabe algum fragmento de espanhol. E o português é a cereja do bolo: qual o prazer de um estrangeiro que aprende a fazer a ponte entre o espanhol e o português. O telefone dela toca: é irmão. "Uri papa?". Ela explica ao irmão que o pai desligou o telefone porque ela ficou lhe ligando. Provavelmente ele se encheu e desligou. Não aguentava mais ouvir:
- Are you coming?
- Yes, wait. 20 minutes.
- But I can take a lift with my friends, no need to come...
- No, I'm in the way.
Pai ciumento vem sempre buscar. Mas algo intriga: por que em inglês? "Meu pai tem sotaque do leste, e o meu é de Yerevan. Não entendo o sotaque dele, então falamos em inglês". Pai armênio que foi criado na Grécia, e fala grego, armênio, inglês, agora misturado a, iani, expressões árabes. E então ela explica que o irmão aprende armênio na igreja armênia. A mãe se surpreende: "isso é arcaico demais". E assim, os armênios da diáspora vão aprendendo uma língua congelada no tempo, tal qual japoneses, holandeses e alemães no Brasil. Na verdade, um caso peculiar: há mais armênios na diáspora que no próprio país, que contém menos de um terço da população da cidade de São Paulo. Se há mais pessoas falando o "arcaico", como definir o "contemporâneo": outro idioma?
O tempo passa, o pai não chega, e ela conta a ironia: quando foi a Londres para um treinamento, recrutaram para recebê-la uma... turca. "Até que encontramos algumas coisas em comum." Está certa. E quem disse que nascemos obrigados a carregar ódios hereditários? Afinal, 1915 já foi há muito tempo, e o que restou em sua memória desse tempo são fragmentos da história do bisavô materno, contada de um para outro, que perdem sentido soltos dessa maneira: "mataram toda a família, ele ainda criança passou seis meses deitado no chão. Uma mulher desconhecida o salvou e o criou". Mas não custaria admitir. É o que dizem armênios, gregos, assírios, romenos. Então ela explica: "Mas já barramos a entrada deles na União Européia!".
O telefone Toca: é o pai. Hora de partir.
- Oh, so nice! Como aprendeste?
Pouca gente no mundo fala português, mas sempre tem alguém que sabe algum fragmento de espanhol. E o português é a cereja do bolo: qual o prazer de um estrangeiro que aprende a fazer a ponte entre o espanhol e o português. O telefone dela toca: é irmão. "Uri papa?". Ela explica ao irmão que o pai desligou o telefone porque ela ficou lhe ligando. Provavelmente ele se encheu e desligou. Não aguentava mais ouvir:
- Are you coming?
- Yes, wait. 20 minutes.
- But I can take a lift with my friends, no need to come...
- No, I'm in the way.
Pai ciumento vem sempre buscar. Mas algo intriga: por que em inglês? "Meu pai tem sotaque do leste, e o meu é de Yerevan. Não entendo o sotaque dele, então falamos em inglês". Pai armênio que foi criado na Grécia, e fala grego, armênio, inglês, agora misturado a, iani, expressões árabes. E então ela explica que o irmão aprende armênio na igreja armênia. A mãe se surpreende: "isso é arcaico demais". E assim, os armênios da diáspora vão aprendendo uma língua congelada no tempo, tal qual japoneses, holandeses e alemães no Brasil. Na verdade, um caso peculiar: há mais armênios na diáspora que no próprio país, que contém menos de um terço da população da cidade de São Paulo. Se há mais pessoas falando o "arcaico", como definir o "contemporâneo": outro idioma?
O tempo passa, o pai não chega, e ela conta a ironia: quando foi a Londres para um treinamento, recrutaram para recebê-la uma... turca. "Até que encontramos algumas coisas em comum." Está certa. E quem disse que nascemos obrigados a carregar ódios hereditários? Afinal, 1915 já foi há muito tempo, e o que restou em sua memória desse tempo são fragmentos da história do bisavô materno, contada de um para outro, que perdem sentido soltos dessa maneira: "mataram toda a família, ele ainda criança passou seis meses deitado no chão. Uma mulher desconhecida o salvou e o criou". Mas não custaria admitir. É o que dizem armênios, gregos, assírios, romenos. Então ela explica: "Mas já barramos a entrada deles na União Européia!".
O telefone Toca: é o pai. Hora de partir.
Venezuela
Era apenas uma carona. Eu disse, não tem problema, digo, uma carona. Já recebi muita carona enquanto não auto-locomotor. E sei o quão difícil o é, principalmente quando dinheiro é, também, um problema. Além da locomoção.
Uma carona à amiga de um amigo, fidalgo da corte. Ela diz: "é até Satwa". Tudo bem. Ela diz: "estou na casa de minha amiga romena, que namora um francês. Ele ganha 50 mil por mês". Eu digo tudo bem.
Estou no carro. Eu digo que a bolsa machucou. "Machucou?" E ri: "Sabes o que es 'machucar' en Venezuela?". E ri mais uma vez. Trânsito pesado. Ela agradece: veio a Dubai com trezentos dólares no bolso, não dá pra pagar táxi à toa.
À toa. Chegamos à casa da amiga. Celular não atende? Não. Não tem ninguém. "Onde vocês estão indo?" Não fidalgo, não diz, não diz que vamos jantar. O jantar era pra ser "coisa d'homem'. Tarde demais. "Tudo bem, vamos jantar", disse ela. Tentei insistir "procure sua amiga", a amiga insistiu em não atender.
Jantar. Restaurante nem simples, nem barato. Eu peço, você pede, ela pede. E bebe. E pede sobremesa. E repete: 300 dólares no bolso. "Estaba en Miami, salí por causa de visto. Miami es muy guay...". Ela chama a amiga. "Tengo una hermana en Miami y otra in Caracas, que trabaja para el Xávez". Amiga bonita que chega e não come e não bebe. Só assiste com cara de espanto o fidalgo da corte puxar o celular e mostrar a conta:
- São 60 dirhams.
- O que?
- Para ser exato, 60,3 dirhams. Dividido por 3.
- Ah... tá. Posso pagar com dólares?
- Deixa que eu pago a parte dela - disse a amiga.
- Tudo bem, deixa que eu pago. Na próxima, você me convida. - disse o fidalgo.
Fidalgo no outro carro, eu com a moça que agora desanca o fidalgo: "Que absurdo, seu amigo! Deve ser porque é europeu. Os latinos sempre pagam a conta! Minha amiga ficou indignada!"
Os latinos sempre pagam a conta. Será? Mesmo para uma desconhecida? Mesmo quando o homem não tem nenhuma intenção sexual ou afetiva? Mas vamos lá, vamos a um café. Café chique na Jumeira Beach Road. O fidalgo vai ao banheiro, as duas saltam sobre mim e perguntam: "Qual é o seu salário?" Pergunta que não se faz, quando esta é a primeira pergunta. Mas tudo bem somos latinos. Latinos mentem para as mulheres. Latinas acreditam em mentiras: "É um bom salário... e seu amigo". O caso dele é diferente, ganha em euros... "ah bom...".
Está tarde. Vamos a algum lugar? Não. Elas sim, vão ao Mina Al Salam, um dos locais mais caros da cidade. Segundo ela, lá é bom "porque tem um público seleto". Já ouvi esse papo em outro continente. Lugar seleto para garotas seletas... com 300 dólares no bolso.
Paguei a conta. Não devia. Não merecia. Mas somos latinos, então tudo bem.
Uma carona à amiga de um amigo, fidalgo da corte. Ela diz: "é até Satwa". Tudo bem. Ela diz: "estou na casa de minha amiga romena, que namora um francês. Ele ganha 50 mil por mês". Eu digo tudo bem.
Estou no carro. Eu digo que a bolsa machucou. "Machucou?" E ri: "Sabes o que es 'machucar' en Venezuela?". E ri mais uma vez. Trânsito pesado. Ela agradece: veio a Dubai com trezentos dólares no bolso, não dá pra pagar táxi à toa.
À toa. Chegamos à casa da amiga. Celular não atende? Não. Não tem ninguém. "Onde vocês estão indo?" Não fidalgo, não diz, não diz que vamos jantar. O jantar era pra ser "coisa d'homem'. Tarde demais. "Tudo bem, vamos jantar", disse ela. Tentei insistir "procure sua amiga", a amiga insistiu em não atender.
Jantar. Restaurante nem simples, nem barato. Eu peço, você pede, ela pede. E bebe. E pede sobremesa. E repete: 300 dólares no bolso. "Estaba en Miami, salí por causa de visto. Miami es muy guay...". Ela chama a amiga. "Tengo una hermana en Miami y otra in Caracas, que trabaja para el Xávez". Amiga bonita que chega e não come e não bebe. Só assiste com cara de espanto o fidalgo da corte puxar o celular e mostrar a conta:
- São 60 dirhams.
- O que?
- Para ser exato, 60,3 dirhams. Dividido por 3.
- Ah... tá. Posso pagar com dólares?
- Deixa que eu pago a parte dela - disse a amiga.
- Tudo bem, deixa que eu pago. Na próxima, você me convida. - disse o fidalgo.
Fidalgo no outro carro, eu com a moça que agora desanca o fidalgo: "Que absurdo, seu amigo! Deve ser porque é europeu. Os latinos sempre pagam a conta! Minha amiga ficou indignada!"
Os latinos sempre pagam a conta. Será? Mesmo para uma desconhecida? Mesmo quando o homem não tem nenhuma intenção sexual ou afetiva? Mas vamos lá, vamos a um café. Café chique na Jumeira Beach Road. O fidalgo vai ao banheiro, as duas saltam sobre mim e perguntam: "Qual é o seu salário?" Pergunta que não se faz, quando esta é a primeira pergunta. Mas tudo bem somos latinos. Latinos mentem para as mulheres. Latinas acreditam em mentiras: "É um bom salário... e seu amigo". O caso dele é diferente, ganha em euros... "ah bom...".
Está tarde. Vamos a algum lugar? Não. Elas sim, vão ao Mina Al Salam, um dos locais mais caros da cidade. Segundo ela, lá é bom "porque tem um público seleto". Já ouvi esse papo em outro continente. Lugar seleto para garotas seletas... com 300 dólares no bolso.
Paguei a conta. Não devia. Não merecia. Mas somos latinos, então tudo bem.
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