Concordo com você: a leitura é essencialmente idiossincrásica. Mas você exagera! Mal lê o texto e já se apressa às inferências. Você lê "a, b, c, ..." e , afoito, adianta-se: "...é D!". "Quem matou Odette Roithman?", "Será que Helena vai ficar com Augusto?" Você não consegue viver sem a novela. E agora me olha com este ar agoniado de criança que não ganha pirulito - "Será?!".
Entendo sua ansiedade. Foi assim nas semanas em que esperei Capitu voltar de férias. "Será? Será? Será?!?!". Uma mensagem: "Está tudo bem". Hoje vejo que sim, estava ótimo! Ah, leitor! Voce paga agora pelo que nao fez. Vingança! Ódio babado pelo canto da boca.
Noite de diarréia aguda na noite paulistana. Estava no Ó-do-Borogodó. Noite de iluminação; na parede do banheiro a frase que liberta:
A maior sensação de poder que o ser humano pode ter é fazer esperar.
Sofra, leitor. Ninguém mandou não ter vida própria! Faz sol, os animaisinhos se acasalam na floresta e você nesta busca pela Verdade Suprema, "mordendo corrente". Um consolo para ti? A espera é justamente uma das percepções mais agudas do tempo presente. Nesta agonia, VIVO se está; tempo que escorre milimetricamente e sem pressa entre os dedos enquanto o Desfecho libertador se aproxima: o Ultimo Suspiro, o resultado do Exame, o Sim ou o Não da Pessoa Amada, o efeito da droga que neutraliza a Dor do cálculo...
Depois de "a, b, c ...", "... c, d, c"; "... f, j, k". Ou quem sabe, o seu "... D!". Por ora, nada. Sádico, eu? Isso já começa a ficar repetitivo; você sabe bem o que disse minha avó.
Um comentário:
Estou lendo Samarcanda, do Amin Maalouf, e eis que topo com a seguinte passagem:
O tempo tem duas faces, diz Khayyaam consigo mesmo, tem duas dimensões; o comprimento segue o ritmo do sol, a densidade segue o ritmo das paixões.
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