24.9.08

Cyclone

Dubai, meados de setembro de 2006. Véspera de Ramadã. No trabalho, o grupo marca o encontro: Cyclone. "É um dos poucos bares abertos que venderá álcool", alguém avisa.

A entrada não é barata: 75 dirhams. Entrando no recinto, um choque: pela primeira vez em Dubai, um local com mais mulheres do que homem. Tudo bem organizado: aproximadamente 50 chinesas à esquerda. À direita, em menor número, européias, russas, árabes. São mais caras. No extremo canto direito, um palco. "Está desativado", disse o garçom. "Durante o Ramadã, não é permitido música ao vivo".

Que saborosa surpresa: em véspera de Ramadã, um dos poucos bares a vender cerveja é um prostíbulo! E não estamos no meio do deserto: o Cyclone fica ao lado do American Hospital, centro de Dubai. Aliás, ficava: o estabelecimento foi fechado pela prefeitura em meados de 2007, quando a caça às bruxas, ops, prostitutas, começou. Mas isso não vem ao caso, pois ainda estamos em 2006, e o garçom traz pipocas gratuitas para acompanhar nossas cervejas à 30 dirhams a long neck.

Sob o vidro grosso do balcão, um papel com uma frase: "Não viemos no mesmo navio, mas estamos no mesmo barco". Frase que expressa bem o sentimento do grupo: "que merda estou fazendo aqui?". Após a primeira cerveja, o Vítor reclama: "então, minha namorada começou com uma estória de que não sabe se quer continuar...". Uma história que se repete, e que geralmente termina com o mesmo fim.

No pátio à esquerda, o taxista de turbante, o economista asiático, os loiros europeus de terno. Risos, cervejas. Em cada riso, o mesmo sentimento revanchista: "Você me rejeita? Então eu pago!!!". O jeito masculino de resolver as coisas.

Eu sei leitor: você ri. Ri porque acha que se dá muita importância a isso. Isso porque você está aí no Brasil ou em Portugal, onde você leva uma vida normal: mesmo que nada aconteça, sempre tem o charme da mulher do café, a promessa da garota da banca de jornal... vivemos todos de esperança. Mas até isso tiram de você quando se vai a Dubai. A realidade de um um país com uma proporção de 4 homens para cada mulher é seca. Dubai é um garimpo de luxo. E convenhamos, se você é solteiro em Dubai e não trabalha na Emirates, você tem grandes chances de estar em maus lençóis...

Saímos do balcão, aproximamo-nos do setor chinês. As garotas se aproximam. Salto alto, saias curtas, e muita maquiagem. "Hi, you ale beautiful!". Carinhos, cafunés. Carinho... como é bom ser bem tratado por mulheres. Tentamos manter conversa:

- Where are you from?
- Beijing.

Interessante. Ela e todas as outras 49 chinesas do recinto são de Beijing. Coincidência ou simplesmente o mesmo agente? Tentamos aprofundar o assunto:

- And what's your name?
- Beijing.

Difícil, inglês calamitoso. Na dúvida, a resposta é sempre "Beijing". O Vítor já emenda com sua grande presença de espírito:

- Aí galera, ela quer beijim! Ela quer Beijim!

As garotas riam. Mas o tempo passa e elas não têm tempo a perder:

- You want massage? Massage?
- How much?
- 700 dollars.

O preço inicial assusta. Mas esse é o preço das russas. Todos sabem que esse preço pode ser reduzido a algo entre 300 e 600 dirhams com uma boa conversa. Com um pouco mais de procura, pega-se esse preço com serviço de "delivery".

Os 2 ingleses de terno saem abraçados com 5 chinesas. Necessidade de auto-afirmação. Mas a gente só está ali para uma cerveja, então compramos uma ficha de bilhar e ficamos ali, "fazendo hora": um dá a tacada, enquanto o outro protege a caçapa para a bola não cair, e assim, prolongar o jogo.

São 2:30h: a luz aumenta de intensidade, e os seguranças fecham o cerco. Hora de fechar o "bar". Todos pra rua, sem exceção. Os seguranças empurram sem nenhum respeito as garotas que fazem uma "cera" para sair. Os mais jovens tentam ali suas últimas fichas para ganhar um desconto.

Oras, leitor. Veja como o seu pensamento é mesquinho: eu aqui fazendo um relato de interesse antropológico e você aí só quer saber daquilo que não lhe concerne: se eu dei ou não uma "metidinha". Oras, leitor, como você é vulgar, baixo, vil. É por isso que a nossa relação é de amor e ódio. Eu te odeio, leitor. Leitor, eu te amo. E o amor presume fidelidade. E só por esta razão e nenhuma outra, que naquela noite de descobertas de véspera de Ramadã em 2006, mantive-me casto.

Mas leitor, meu amor, meu ódio: mantenha-se atento. Atento, pois pensando bem, agora ficou claro: a história não começou aqui, embora explique muita coisa. Voltemos ao futuro, em que o Cyclone já não existe mais, varrido do mapa pelas políticas moralistas do Governo de Dubai. Futuro que já é pretérito no momento deste relato.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá ex-Sheik Luís

Gostaria de saber como anda a profissão das "bruxas"no Emirados Árabes? "como você citou o nome para as pobres prostitutas".

Foi a melhor maneira que elas encontraram para sobreviver neste mundo cão!

Grata!!