12.12.06

Livros, cigarros e Hussein: à iminência do momento determinante

- Hussein... Saeed...

O senhor de uma barba longa e crespa com alguns fios brancos mas não a ponto de conferirem-lhe a alcunha de grisalha, óculos escuros e candora e lenço brancos abre a porta da ampla sala onde as cadeiras dispostas em U deixam todos em um ciclo de olhares tensos que se cruzam e fogem buscando o chão do imenso vazio ao centro e fala quatro outros nomes que vai lendo nos formulários que vai folheando um a um:

- Por favor, aguardem lá fora.

A construção improvisada de telhas de zinco ou amianto mas devidamente climatizada fica ao lado do estabelecimento comercial que controla o destino daqueles que desejam adquirir o direito de controlar máquinas que transformam líquidos em fumaça e movimento. Órgãos públicos e privados em uma relação de simbiose, ecos de antigas relações tribais e familiares.

São 9:30h da manhã. No formulário, o horário consta como 07:30h. De fato, Tariq, o instrutor sírio, já havia oferecido gratuitamente um conselho que não foi seguido: "chegue às 08:30h e hélas". Tempo de sobra para deixar a mente voar enquanto o corpo estático apenas segue obediente os comandos dos olhos que seguem as linhas do livro ou os olhares dos demais do recinto ou se deixa levar passivo pelos sons que saem de um pequeno aparelho eletrônico e invadem os ouvidos. Mas ali do lado externo da sala ampla, apenas os quatro eleitos se entreolham em um silêncio desconfortável que torna inverossímil qualquer tentativa de introspecção. Um cigarro se acende, um suspiro profundo, um boca ainda fumegante que expira cortando o hiato:

- No carro anterior, os 4 foram reprovados!
- Com o mesmo avaliador?
- Sim...

Hussein experimenta o deleite de quem conta em primeira mão uma notícia que todavia ninguém gostaria de saber. O silêncio retorna mais uma vez, entretanto agora mais pessoas fumam enquanto observam um paquistanês que vai buscando e estacionando lado a lado os veículos que já lavou. Um telefone toca:

- Neim, Yehabibi! Kifik? Ainda estou aqui...

Hussein é palestino e cresceu no Líbano. Deixou Beirute e a esposa para trás pouco antes que os últimos bombardeios destruíssem a pista do aeroporto e tantos outros sonhos de tantos outros para trabalhar em Dubai como engenheiro de manutenção. Sua esposa acompanha suas estórias que vai contando ao telefone como capítulos de uma novela onde cada fato corriqueiro se transforma em uma intrincada e perigosa trama cheia de malfeitores contra os quais ele - o mocinho - batalha com desenvoltura e cujo desenlace fica sempre para o próximo capítulo, contado horas mais tarde pessoalmente ou em outro telefonema, e assim, nem tomou consciência de sua própria aventura de atravessar a fronteira para pegar um avião que a levou junto de seu marido dias atrás. Agora Hussein degusta um relaxamento que o faz rir e que nenhum dos cigarros que fumou foi capaz de lhe conferir e que só é interrompido pela voz do mesmo senhor de branco:

- Yalla, chebab.

Meses que se passam em dias, minutos que passam em segundos ao telefone, segundos que parecem horas. À iminência do momento determinante, o tempo volta a se distorcer enquanto o coração dispara.

Um comentário:

iglou disse...

E quando vamos saber se você passou no teste de direção? No próximo capítulo?